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Silvério Pessoa

Um defensor da cultura popular
 
"O nosso grande papel hoje, como educadores, como artistas, seja de qual campo for, é continuar"
 

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(Foto: Ascom/Silvério Pessoa)


 
Dia 15 de novembro, o Palco Frei Santa Cecília do Festival de Artes de São Cristóvão (FASC) receberá o pernambucano Silvério Pessoa, a partir das 21h. Defensor da cultura popular, o músico e educador defende a continuidade da arte nos tempos de crise e repertório autoral para a 36ª edição do FASC. Em entrevista, o artista destaca pontos como o legado de Jackson do Pandeiro, a bandeira que sua arte carrega e a sua relação com Sergipe. Confira a entrevista!
 
BACANUDO - Dar destaque à cultura popular é um dos principais objetivos do FASC, que como o tema desse ano aponta, “Resiste para Existir” em meio a tantos retrocessos que ocorrem no cenário nacional nos últimos tempos. Qual a saída que o Silvério Pessoa, enquanto defensor da cultura popular, aponta para esse contexto de crise cultural que vivemos?
Silvério Pessoa - Em nenhum momento da história desse País, como diz o ex-presidente Lula, a arte foi tão necessária. A abordagem que a arte possibilita, de interiorização de sentimentos, de expressões e exteriorização da cultura do povo, do jeito que vivemos em comunidade, dos nossos traços que nos identificam através da dança, culinária, cinema, teatro, música, da educação como componente cultural, então nunca foi tão necessário a gente continuar. Acredito que nessa tentativa de diluição e desconstrução da valorização da cultura do país, porque nós estamos hoje completamente sem lastro. Em termos de instituição, não existe mais o Ministério da Cultura, o Ministério da Educação está completamente desfigurado, e eu acho que educação e cultura são sinônimos, são parceiros. O nosso grande papel hoje, como educadores, como artistas, seja de qual campo for, é continuar. A grande atitude nossa é essa, e acho que é isso que estamos conseguindo fazer muito bem feito, com muita qualidade, dos músicos independentes até as expressões mais contemporâneas.  
 
BACANUDO - Você é um dos principais seguidores de Jackson do Pandeiro, tanto que possui um álbum em sua homenagem e vem fazendo shows pelo Brasil cantando o paraibano. Em 2019, o Brasil celebra o centenário desse grande artista e queremos saber, para você, porque é importante perpetuar o legado de Jackson? É com este repertório que você se apresentará no Festival de Artes de São Cristóvão?
SP - Reverenciar o passado, principalmente, reverenciar aqueles que construíram um caminho antes de nós é uma atitude de dar contemporaneidade a esses mestres, e com Jackson do Pandeiro não é diferente. Jackson do Pandeiro tem um legado de ampliação e talvez até de modernização do gênero, não só do forró, mas da música nordestina brasileira.  Minha relação com a obra de Jackson é genética. Foi através da minha mãe, que era professora de acordeom e da minha avó que era cantora de rádio, então existe uma memória auditiva em mim muito presente. Foi através do movimento mangue que decidi criar a banda ‘Cascabulho’, na década de 1990 reverenciando esse mestre e o repertório de Jackson anda comigo desde que eu me entendo de palco. É um artista versátil, inteligentíssimo, plural, que já gravou diversos gêneros musicais e que possui uma inquietude que contaminou muita gente, principalmente o movimento da Tropicália, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, João Gilberto, é indiscutível. Estou feliz em ter feito parte dessas comemorações, o meu disco que gravei em homenagem a ele em 2016 continua atualíssimo, foi uma grande produção pensada, então é muito honroso para mim (...) Mas não é esse o repertório que irei levar para o Festival, até por razões óbvias, por se tratar de um festival de resistência, de continuidade, é um repertório autoral, porém, no encerramento, irei abrir um set em homenagem ao centenário de Jackson do Pandeiro, mas o núcleo do repertório do festival será o Silvério Pessoa compositor, com uma banda que me acompanha nessa autoralidade. Então será um repertório forte, mas ao mesmo tempo divertido, dançante, nordestino como nós somos.
 
BACANUDO - Você já fez diversos shows e participações em eventos em nosso estado, inclusive este ano. Qual a sua relação com Sergipe e o que o público sergipano e sancristovense que ainda não conhece seu trabalho podem esperar do seu show na Cidade Mãe de Sergipe?
SP - Tenho uma relação ampla, afetiva com Sergipe. Tudo começou com a ‘Naurêa’, que foi a banda que me convidou para gravar um DVD com eles, na Praça do Mercado, em Aracaju e foi o início de uma grande amizade, com eles foi o meu momento de chegada no estado. Fiz muitas amizades com professores, poetas, instrumentistas, dividi palco com Mestrinho, o Fórum do Forró foi um momento épico também em que participei. O segundo momento foi a minha relação com a UFS, através do sociólogo Péricles Andrade, que foi meu coorientador em minha tese de doutorado, onde tive a oportunidade de viajar por Nossa Senhora da Glória, até Arapiraca, em Alagoas.  Lancei meu livro da dissertação de mestrado na UFS, então tenho uma forte relação com Aracaju e Sergipe, de música e relação docente, por isso me sinto muitíssimo a vontade em retornar. São Cristóvão pode esperar um repertório e um show caracteristicamente dentro do perfil do festival, é minha subjetividade, minha visão de mundo, meu compartilhamento com o sergipano, com as pessoas de São Cristóvão, com uma continuidade, pois acredito muito naquilo que escrevo e que divido com o público (...) Então podem esperar um show que vocês, no final, vão poder dizer: “conheci Silvério. Prazer em conhecê-lo” (risos).
 
BACANUDO - Enquanto artista nordestino conseguiu levar nossas referências para todo o país. Essa é uma bandeira que você busca evidenciar em seus trabalhos? Existe outra questão que você destaca em suas composições?
SP - Um grande pedagogo nordestino, gênio da pedagogia chamado Paulo Freire não acreditava em educação neutra. Todo ato educativo é uma maneira de expressar o que o educador e o que o sistema educacional vê o mundo e o outro. A minha música retrata exatamente o que eu sou como pessoa e a minha visão de mundo. Paulo Freire também comentava que você não ensina apenas conteúdo, você ensina o que você é. Tenho um histórico que me emociona bastante que foi 12 anos da minha vida visitando o sul da França, com uma cultura que persiste que é a “cultura oxitana”, um elo de parcerias que tive, discos lançados, dessa cultura que possui uma língua própria, os oxitanistas, aqueles que são herdeiros de um DNA dos antepassados trovadores e que eu contemplo em meu livro. Vejo exatamente isso, não há mentiras, eu canto aquilo que eu sou, assim como levo para sala de aula aquilo que acredito sobre o mundo. É assim que vivo a minha vida e assim que sou feliz. Da França aos estados brasileiros que tive a oportunidade de visitar, eu levo aquilo que eu sou.
 
BACANUDO - São Cristóvão é a quarta cidade mais antiga do Brasil. Sergipe nasceu daqui e o FASC é o festival cultural mais importante do nosso estado (e um dos mais importantes do Brasil - foi criado em 1972).  Esses tipos de dados contam na hora de uma apresentação? Você pesa o local onde faz seus shows? Como ver essa resistência de um festival se manter vivo após tantos anos (esta será a 36ª edição do nosso evento)?
SP - A palavra que eu tenho que deixar registrada é respeito. Respeito pela história do Festival, pela cidade e pelo público. Para mim, emocionalmente e psicologicamente todo palco é sagrado. Todo palco é um altar no qual eu realizo uma cerimônia de diversão, entretenimento, reflexão, trocas, diálogos, conexões e aprendizagem mútua. Entro no palco seja ele pequeno, na casa de algum amigo ou nos grandes festivais em que me apresentei, como na Holanda, Portugal, Espanha, Bélgica, Indonésia, e outros locais, como se ele fosse sagrado, ele tem uma história e um histórico e não vai ser diferente na 36ª edição do FASC. São Cristóvão é uma cidade que tenho muita curiosidade em conhecer, gostaria muito de ficar por mais tempo, não só ir para fazer o show e voltar para Recife, mas gostaria de conhecer, pernoitar na cidade, curtir as outras atrações. Vou chegar a São Cristóvão e deixar uma parte do meu coração e da minha vida, é isso que posso dar de presente para vocês, esse respeito, essa reverência, essa gratidão pela generosidade do convite e esperar que seja realmente uma troca, um abraço fraterno e divertido dessa aproximação cada vez maior entre Pernambuco e Sergipe.